12.7.09

‘A TERCEIRA MÃE’
Julieta Monginho
(2008 Campo das Letras)

2 comentários:

Carlos Reis disse...

A TERCEIRA MÃE

"Agora sim, levanta-se, chega o minuto M da maternidade. Pega na colher, enfia-me a colher cheia de leite e fibras na boca. Faço uma careta, mas acabo por ceder. A mãe imita-me o gesto por reflexo, a mão livre à volta do meu pescoço. Mergulha de novo a colher, sem afastar a tigela para não caírem pingos na toalha. Sem esforço, tiro-lhe a tigela da mão, nunca foi preciso muita força para a desapossar. Volto a sentar-me, vou tirando colheradas de leite e olhando para uma placa de bronze que representa um pescador dentro de um barco, pregada na parede. Um pescador dentro de um barco imóvel, o bronze imobiliza até o apelo marítimo. O bronze é capaz de imobilizar até o confronto com o desejo de viver.

'Alguma notícia?'
'Nada. Nenhuma mensagem, o telemóvel desligado.'
'O Diogo também não disse nada?'
'O Diogo, o Diogo. Só tu é que ainda acreditas naquele sonso.'
A mãe volta ao seu lugar atrás da janela. Parece uma partícula de luz sem velocidade, nada a perturba. Pernas cruzadas, cotovelo no parapeito, olhos no horizonte azul, um ventinho fresco a brincar-lhe nas pontas do cabelo. Fala comigo como se me admoestasse por fumar demais; sente qualquer dúvida sobre a bondade dos outros como a reprovação da sua própria inocência."


CR

Carlos Reis disse...

WE KNOW WHAT WE ARE, BUT KNOW NOT WHAT WE MAY BE

Blog ‘Arte dos Dias’ de Julieta Monginho.

Ver www.artedosdias.blogspot.com


CR