O questionário é básico, mas as respostas não. Juan Maclean tira a máscara e conta tudo, ou quase, o que gostaríamos de saber sobre o personagem mais enigmático da DFA. Com Elton John, Kiss, Butthole Surfers, sósias de Siouxsie Sioux, álcool, ácidos, livros, filmes e uma caixa de luz para combater a melancolia. O primeiro álbum de Juan Maclean chama-se “Less Than Human”, o segundo, quase a sair, “The Future Will Come”. Qualquer nerd sci-fi ficaria entusiasmado só com os títulos e traçaria o perfil de Maclean como um homem-máquina, robótico nos motivos e na música, talvez brilhante como Robby The Robot, do Forbidden Planet. Juan Maclean é isso, claro, e as primeiras fotos que conhecemos dele até foram com uma máscara de ferro, mas não é bidimensional como as figuras de BD. Ele tem o que se chama história, experiência ou cicatrizes, se preferirem, que suplantam qualquer personagem que queira assumir. No início dos anos 90, teve uma banda indie rock, os Six Finger Satellite, que gravaram para a Sub Pop, a editora com mais hype na época grunge, mas abdicou de tudo (por razões explicadas abaixo) e entrou num período de reclusão existencial e musical durante anos, até renascer com membro da família DFA, ainda com vocação indie, mas agora de convicção dance. Pelo meio, as clássicas histórias de desamparo e redenção, com drogas e excessos, também intelectuais, à mistura. Não será o perfil comum do produtor de música de dança, mas ele também não é um homem nem um produtor comum. Ainda sob o efeito “Happy House”, um piano house épico com Nancy Whang a fazer de diva, uma das melhores canções de pista de 2008, aguardamos expectantes “The Future Will Come” e o regresso de Juan Maclean ao Lux. Eis uma breve resenha do homem e da sua história.
Isilda Sanches in ‘LuxFrágil’
CHLOÉ NÃO GOSTA DE DANÇAR MAS FAZ DANÇAR
Os melhores DJs nunca são apenas DJs. São pessoas que conseguem fazer passar, através da música, que são mesmo pessoas, complexas. A francesa Chloé é assim. É um mito como qualquer outro. Os DJs não gostam de dançar, diz-se por aí. Mais depressa se encostam a uma coluna, para “ver como está o ambiente” – esse axioma universal, mas ao mesmo tempo muito português – em vez de se lançarem para o meio da pista de dança, desfrutando fisicamente do som seleccionado por outro qualquer DJ. Tenho outro mito para propor. A maior parte dos DJs, como os melhores actores, são tímidos e inseguros, pelo menos os que são realmente bons e levam a sério a sua função. O seu palco é a cabine e a extensão, a pista de dança à sua frente. A música seleccionada é a forma de se projectarem, de se revelarem, de se exporem, aos outros. Entrevistei uma vez a francesa Chloé. Ela faz parte de um colectivo que se chama Kill The DJ e criou até um tema denominado “I hate dancing”. Não me surpreendeu que dissesse que não gostava de dançar. Mas logo a seguir revelou que não existia sensação igual à de colocar toda a gente a dançar e de criar um ambiente de energia colectivo com elas, porque na pista, como em tudo o resto, é a partilha que interessa. Ninguém é feliz só e Chloé sabe-o. Mas a atitude de Chloé é explicada por outro motivo. É mulher, ainda por cima bonita. Durante anos conviveu, lado a lado, com todos os clichés da cultura DJ, ligados ao sexo, às drogas, ao hedonismo sem limites. Nos últimos anos fartou-se deles e, pelo menos na forma como se relaciona com a música, isso pressente-se nitidamente. Sim, gosta de passar techno e house minimalista para fazer dançar, mas as suas heroínas são Nico, Laurie Anderson ou Cat Power. Sim, gosta de ritmo, mas também compõe para coreografias de dança contemporânea e colabora com realizadores de cinema. Sim, nos seus discos existem ritmos electrónicos, mas também folk e blues, criando um universo intenso, sólido, uno. Façam favor de conferir no álbum “The Waiting Room”, editado no final de 2007. Chloé é uma personalidade complexa. Alguém que percebe o seu tempo, onde é possível abraçar todas as influências e confundi-las. Mas o facto de gostar de ouvir e de criar música mental, às vezes no limite do sufocante, não significa – porque é que haveria de significar? – que na sua função de DJ não recrie ambientes enérgicos. Durante anos foi DJ residente do mítico clube parisiense Pulp, entretanto encerrado. Foi aí que conheceu Ivan Smagghe e Jennifer Cardini, com quem formou o colectivo e editora Kill The DJ. Na companhia de Smagghe lançou mesmo uma compilação-manifesto que fez história, “The Dysfunctional Family”, onde expunham a sua visão sobre o mundo dos clubes dançantes, como um espaço de autonomia musical, social ou sexual. Ou, para resumir, um lugar onde a noite é experiência cultural. Quando a virmos, no primeiro relance, na cabine de DJ do Lux formaremos a nossa opinião intuitiva. As primeiras impressões são importantes, mas não definitivas. Será demasiado glacial, para uns. Mais um DJ, por acaso mulher, de techno house sonâmbulo e minimal, para outros. Porque não agarra no microfone para cantar, ela que o faz nas suas produções?, interrogar-se-ão mais alguns. E ela lá permanecerá na sua posição, tranquila. Não porá as mãos no ar. Não dará gritos estridentes. Não colocará aquele tema que toda a gente conhece, fora de contexto. Mais do que seleccionar música, proporá uma viagem aparentemente repetitiva, mas cheia de subtilezas, esquinas, desvios, misto de ritmo, melodia, alma. No final é muito provável que fiquemos a conhecê-la melhor.
1 comentário:
O QUE SEMPRE QUISEMOS SABER SOBRE JUAN MACLEAN
O questionário é básico, mas as respostas não. Juan Maclean tira a máscara e conta tudo, ou quase, o que gostaríamos de saber sobre o personagem mais enigmático da DFA. Com Elton John, Kiss, Butthole Surfers, sósias de Siouxsie Sioux, álcool, ácidos, livros, filmes e uma caixa de luz para combater a melancolia.
O primeiro álbum de Juan Maclean chama-se “Less Than Human”, o segundo, quase a sair, “The Future Will Come”. Qualquer nerd sci-fi ficaria entusiasmado só com os títulos e traçaria o perfil de Maclean como um homem-máquina, robótico nos motivos e na música, talvez brilhante como Robby The Robot, do Forbidden Planet. Juan Maclean é isso, claro, e as primeiras fotos que conhecemos dele até foram com uma máscara de ferro, mas não é bidimensional como as figuras de BD. Ele tem o que se chama história, experiência ou cicatrizes, se preferirem, que suplantam qualquer personagem que queira assumir. No início dos anos 90, teve uma banda indie rock, os Six Finger Satellite, que gravaram para a Sub Pop, a editora com mais hype na época grunge, mas abdicou de tudo (por razões explicadas abaixo) e entrou num período de reclusão existencial e musical durante anos, até renascer com membro da família DFA, ainda com vocação indie, mas agora de convicção dance. Pelo meio, as clássicas histórias de desamparo e redenção, com drogas e excessos, também intelectuais, à mistura. Não será o perfil comum do produtor de música de dança, mas ele também não é um homem nem um produtor comum. Ainda sob o efeito “Happy House”, um piano house épico com Nancy Whang a fazer de diva, uma das melhores canções de pista de 2008, aguardamos expectantes “The Future Will Come” e o regresso de Juan Maclean ao Lux. Eis uma breve resenha do homem e da sua história.
Isilda Sanches in ‘LuxFrágil’
CHLOÉ NÃO GOSTA DE DANÇAR MAS FAZ DANÇAR
Os melhores DJs nunca são apenas DJs. São pessoas que conseguem fazer passar, através da música, que são mesmo pessoas, complexas. A francesa Chloé é assim.
É um mito como qualquer outro. Os DJs não gostam de dançar, diz-se por aí. Mais depressa se encostam a uma coluna, para “ver como está o ambiente” – esse axioma universal, mas ao mesmo tempo muito português – em vez de se lançarem para o meio da pista de dança, desfrutando fisicamente do som seleccionado por outro qualquer DJ.
Tenho outro mito para propor. A maior parte dos DJs, como os melhores actores, são tímidos e inseguros, pelo menos os que são realmente bons e levam a sério a sua função. O seu palco é a cabine e a extensão, a pista de dança à sua frente. A música seleccionada é a forma de se projectarem, de se revelarem, de se exporem, aos outros.
Entrevistei uma vez a francesa Chloé. Ela faz parte de um colectivo que se chama Kill The DJ e criou até um tema denominado “I hate dancing”. Não me surpreendeu que dissesse que não gostava de dançar. Mas logo a seguir revelou que não existia sensação igual à de colocar toda a gente a dançar e de criar um ambiente de energia colectivo com elas, porque na pista, como em tudo o resto, é a partilha que interessa. Ninguém é feliz só e Chloé sabe-o. Mas a atitude de Chloé é explicada por outro motivo. É mulher, ainda por cima bonita. Durante anos conviveu, lado a lado, com todos os clichés da cultura DJ, ligados ao sexo, às drogas, ao hedonismo sem limites. Nos últimos anos fartou-se deles e, pelo menos na forma como se relaciona com a música, isso pressente-se nitidamente.
Sim, gosta de passar techno e house minimalista para fazer dançar, mas as suas heroínas são Nico, Laurie Anderson ou Cat Power. Sim, gosta de ritmo, mas também compõe para coreografias de dança contemporânea e colabora com realizadores de cinema. Sim, nos seus discos existem ritmos electrónicos, mas também folk e blues, criando um universo intenso, sólido, uno. Façam favor de conferir no álbum “The Waiting Room”, editado no final de 2007.
Chloé é uma personalidade complexa. Alguém que percebe o seu tempo, onde é possível abraçar todas as influências e confundi-las. Mas o facto de gostar de ouvir e de criar música mental, às vezes no limite do sufocante, não significa – porque é que haveria de significar? – que na sua função de DJ não recrie ambientes enérgicos.
Durante anos foi DJ residente do mítico clube parisiense Pulp, entretanto encerrado. Foi aí que conheceu Ivan Smagghe e Jennifer Cardini, com quem formou o colectivo e editora Kill The DJ. Na companhia de Smagghe lançou mesmo uma compilação-manifesto que fez história, “The Dysfunctional Family”, onde expunham a sua visão sobre o mundo dos clubes dançantes, como um espaço de autonomia musical, social ou sexual. Ou, para resumir, um lugar onde a noite é experiência cultural.
Quando a virmos, no primeiro relance, na cabine de DJ do Lux formaremos a nossa opinião intuitiva. As primeiras impressões são importantes, mas não definitivas. Será demasiado glacial, para uns. Mais um DJ, por acaso mulher, de techno house sonâmbulo e minimal, para outros. Porque não agarra no microfone para cantar, ela que o faz nas suas produções?, interrogar-se-ão mais alguns.
E ela lá permanecerá na sua posição, tranquila. Não porá as mãos no ar. Não dará gritos estridentes. Não colocará aquele tema que toda a gente conhece, fora de contexto. Mais do que seleccionar música, proporá uma viagem aparentemente repetitiva, mas cheia de subtilezas, esquinas, desvios, misto de ritmo, melodia, alma. No final é muito provável que fiquemos a conhecê-la melhor.
Vitor Belanciano in ‘LuxFrágil’
CR
Enviar um comentário